sexta-feira, 25 de julho de 2014

DISCUTINDO SOBRE DIREITOS COM AS CRIANÇAS

Greve das Namoradas



 Era uma vez um menino. Pequeno no tamanho, mas enorme namorador. Tinha a idade que se podia contar nos dedos das duas mãos, mas suas namoradas não cabiam nos dedos das suas mãos. Quase ninguém sabia o seu nome. Ele era o Namorado. Desde a primeira série o chamavam assim. Agora, na quarta série, continuava a mesma história. Todos o chamavam Namorado. Namorado era simpático. Tinha dois olhos pequenininhos, mas vivos, muito vivos e sempre sorridentes. Ele tinha uma boca enorme, com dentes grandes, bem brancos. Usava cabelo comprido, meio liso, meio encaracolado nas pontas. Um cabelo preto, tão preto que até parecia que, com os raios do sol, se tornava azul... Namorado tinha a altura normal para um menino de dez anos. Além disso, era um ótimo aluno, um bom companheiro, enfim, tudo aquilo que os professores gostam de dizer que deve ser um aluno. Só tinha aquela mania: namorava todas as meninas de sua sala de aula. Era assim: ele chegava de manhã na aula e dizia: - Oi, gurias, tudo bem?! E já ia dando beijinho numa e abracinho na outra, puxando trancinha da Sônia, dizendo que-bonita-que-estás-hoje para a Duca, e assim por diante. No fundo, no fundo, cada uma ficava chateada, porque Namorado dava atenção para todas elas, mas ao mesmo tempo não dava atenção para nenhuma. E cada qual queria ser a sua namorada, mas isso nunca acontecia. Elas até podiam brigar dizendo “eu sou a namorada principal”, mas isso cada uma poderia querer porque Namorado... nem te ligo, nunca deu atenção maior para uma ou para outra. A cada dia, trazia um presente diferente para alguma de suas namoradas. Porque, diga-se a bem da verdade, namorado era muito carinhoso com todas as namoradas que tinha. As coisas iam assim, como iam todos os dias, até que certa vez... - Gurias, vocês viram o que eu vi? - O que foi que tu viste, Matilde? – as meninas rodeavam a colega, excitadas e curiosas. - Ontem, na matinê... o Namorado estava com uma outra menina que não é da nossa classe! - Mas que sem-vergonha! - Quem é a sirigaita? – foi querendo saber, objetivamente, a Carla. - Ah, não sei, só sei que não era uma guria da nossa turma. Nem da nossa escola ela era... - Essa não, e agora, o que vamos fazer?! – choramingava a Susana. - Eu acho que a gente tem de dar uma lição no Namorado. Agora chega, gurias. Namorar com todas nós a gente aceita, mas trair todas nós com uma estranha... - Temos de nos vingar. Naquele dia, o recreio foi muito pequeno para tudo o que as meninas tinham de combinar. Combinar e executar. Executar a partir do dia seguinte. Que, dito e feito, correu como elas haviam combinado. Namorado chegou de manhã na escola e como sempre... - Oi, gurias, tudo bem?! Só que dessa vez nenhuma menina respondeu. Namorado repetiu a pergunta. Mais do que não responder, as meninas se afastaram, viraram-lhe as costas, saíram de perto, se fizeram de surdas. Namorado estranhou. - Oi, gurias, algum problema? Ninguém respondeu para Namorado e, como a professora já vinha chegando, as coisas ficaram para a hora do recreio. Durante a aula, Namorado sentiu que havia, realmente, algum problema: - Marisa, me empresta a borracha? A Marisa não emprestou. - Tânia, como é a resposta desse problema de matemática? A Tânia estava surda. Namorado, pela primeira vez, se sentiu sozinho. Pior: solitário. Terrível! Sem namorada! Na hora do recreio foi outro problema para ele. Normalmente Namorado convidava alguma menina para ir até o bar do colégio lanchar. Naquele dia, nenhuma aceitou. Namorado voltou para a segunda parte da aula muito preocupado. Nunca vivera uma situação assim. Esperou que no dia seguinte as coisas mudassem. Não mudaram. E nem no seguinte, e menos ainda no outro... Quando chegou a sexta-feira, Namorado ainda tentou fingir que não havia nada: - Carminha, a gente vai no cinema no domingo de tarde? - Não, no domingo vou sair com meu primo... Namorado sentiu uma coisa muito esquisita no peito, no coração, na boca, algo assim que ele não entendeu muito bem, mas que deu uma fisgada nele, igual ao anzol quando pega na boca do peixe. Namorado tentou com Julia. E com Sandra. E com Janice... Com todas era a mesma coisa, quer dizer, cada uma tinha uma desculpa diferente. Nenhuma aceitou sair naquele fim de semana com Namorado que, pela primeira vez, ficou um fim de semana sem namorada... Pensou, pensou... “Troco de turma? Troco de escola? Arranjo uma namorada nova? O que eu faço?” Na segunda-feira, imaginou Namorado, as coisas voltariam a ser como antes. Quer dizer, como sempre haviam sido. Mas chegou a segunda-feira e Namorado viu que, pelo contrário, as coisas continuavam como nos últimos dias, quer dizer, as meninas todas emburradas com ele. Daí, Namorado começou a descobrir o que era solidão. O que era ficar sozinho. E começou a se dar conta de que, na verdade, antes, ele era namorado de todas as meninas, mas verdadeiramente não tinha uma única namorada. Talvez por isso as colegas estivessem sentidas com ele... E refletindo sobre isso, ficou andando pelo pátio, meio sozinho, meio triste, quando bateu em alguém... - Desculpe... Sorriu, constrangido. Era Beatriz, da outra quarta série. Namorado lembrou que Beatriz era uma das poucas meninas que não era sua namorada. Talvez porque todos a achassem feia, até ele. Mas agora, com óculos... Com óculos? Cadê os óculos? - Acho que quebraram... – falou Beatriz, torcendo as mãos, nervosa. Namorado também ficou nervoso. Que azar! Quebrar os óculos da Beatriz bem agora! Não dava sorte mesmo! Namorado apressou-se a pegar os óculos que estavam no chão. Tirou o lenço, limpou as lentes com cuidado e devolveu os óculos para Beatriz, que os colocou no rosto e sorriu, tímida: - Obrigada! Você nem me viu, não é? - Não, eu estava pensando... - É chato a gente ficar sozinho, não é? - Como é que você sabe, quer dizer... você acha? - É, eu quase sempre estou sozinha, tanto que você nem me viu! Namorado encabulou. Era verdade. Mas naquela hora, até que era uma sorte poder conversar com Beatriz. E então o recreio passou depressa, quase tão depressa quanto passava antes, quando Namorado estava sempre rodeado de suas namoradas. Por isso, no final do recreio, Namorado convidou: - Você me espera na saída? - Mas eu nem sei seu nome! Namorado deu-se conta de que ninguém, antes, havia lhe feito essa pergunta. - Eu me chamo Dante, e você? - Beatriz. Te espero na saída, sim... Dante. (Fonte: HOHLFELDT, Antônio.
 A greve das namoradas. São Paulo, Editora Ática, 1999 – Fragmento – Adaptação)


 Explicando política às crianças - Texto de Rubem Alves. 


Meninos, meninas, vou lhes contar como tudo começou, do jeito como me ensinaram. Há muitos milênios atrás ( um milênio são mil anos! ), antes mesmo que a roda tivesse sido inventada, a vida era uma pancadaria generalizada, pauladas, pedradas, furadas ( eram feitas com paus pontudos; ainda não haviam descoberto um jeito de fazer flechas com pedras lascadas), cada um por si, cada um contra todos. Thomas Hobbes Um famoso pensador chamado Hobbes disse que era um estado de “guerra de todos contra todos”. Não havia leis. As leis servem para proibir aquilo que não pode ser feito. Assim, cada um fazia o que queria. Roubar não era crime porque não havia uma lei que dissesse “é proibido roubar”. Matar não era crime porque não havia uma lei que dissesse “ é proibido matar”. E não havia pessoas encarregadas de fazer cumprir a lei: juizes, polícia. É para isso que a polícia existe: para impedir que a lei seja quebrada e para proteger os cidadãos comuns. Quem tivesse o porrete maior era o que mandava. Houve até um famoso presidente dos Estados Unidos que explicou o seu jeito de governar: “Falar manso e ter um porrete grande nas mãos...” Os jeitos primitivos continuam ainda em vigor. É fácil entender. Imaginem uma coisa doida: um jogo de futebol em que não haja regras e nem haja um juiz que apite as faltas. Tudo é permitido. Tapas, murros, rasteiras, xingamentos, levar a bola com a mão, mudar de time no meio do jogo. Ao final de cada jogo o número de mortos e feridos é grande. Os amantes de futebol queriam continuar a jogar futebol, mas sem medo da violência. Eles se reuniram e disseram: “Não é possível continuar assim. Vamos fazer regras para o futebol. E vamos ter, no campo, um homem que faça com que as regras sejam cumpridas.” E assim fizeram. E o futebol se transformou num jogo civilizado ( às vezes...) Pois os homens daqueles tempos chegaram à mesma conclusão. Não valia a pena continuar a viver daquele jeito. Eles se reuniram numa grande assembléia e chegaram a um acordo: “Só há uma solução. É preciso que cada um deixe de fazer o que lhe dá na telha. Precisamos leis. Mas, para ter leis, precisamos de um homem que faça as leis. E não só isso: um homem que tenha o poder para punir todos aqueles que quebram a lei. Os homens, assim, abriram mão das suas pequenas vontades individuais para poderem viver uns com os outros em paz. E para que houvesse um homem que fizesse as leis e punisse os criminosos eles escolheram um que seria o seu Rei, ele e os seus descendentes. O Rei teria que ser aquela pessoa que reinaria para a paz dos homens comuns, os seus súditos. O Rei teria de ser uma pessoa que, ao mesmo tempo, combinasse sabedoria e força. Sabedoria para fazer as coisas certas. E força para que punisse os malfeitores. Em toda situação há sempre os malfeitores, aqueles que quebram as leis. Também no futebol há os malfeitores. No futebol os malfeitores são aqueles que quebram as regras, aqueles que, pensando que o juiz está distraído, dão rasteiras e tentam fazer gols com a mão. Se o juiz ficar desatento e não apitar as faltas a partida de futebol vira pancadaria. Mas esses homens que elegeram o Rei eram ruins em psicologia. É sempre assim: em período de eleição todos os candidatos se apresentam como honestos, puros, pessoas que só desejam o bem do povo. Mas o povo não conhece psicologia. Acredita naquilo que lhes é dito. Não sabem que essas falas dos candidatos são como a isca no anzol do pescador. O seu objetivo é apenas “fisgar” o voto do povo. E esses puros, uma vez no poder, passam por horríveis transformações. Belos, transformam-se em Feras. Aconteceu assim com os Reis, tão bonitos, tão honestos, antes de terem a coroa na cabeça e a espada na mão. Mas uma vez no poder transformaram-se em Tiranos. Tiranos são aqueles que, esquecidos do povo, impõem a sua vontade sobre ele. Assim os Reis esqueceram-se do povo e passaram a pensar só neles mesmos. Se eles eram aqueles que fazem as leis, e se eles eram aqueles que tinham a espada na mão, não havia ninguém que os punisse. Eles cometiam suas maldades protegidos pela impunidade. Tendo poder para fazer as leis, eles as fizeram só em seu benefício, leis que obrigavam o povo a pagar impostos pesados. Imposto é um dinheiro que o povo tem de pagar ao governo para administrar o país. Tudo estaria bem se o dinheiro dos impostos fosse usado para o bem do povo. Mas não foi isso que fizeram. Usaram o dinheiro do povo para si mesmos. Construíram palácios com jardins, gramados e piscinas, deram banquetes, não só eles mas todos os membros da corte que assim se locupletaram. Todos ficaram ricos. O povo ficou mais pobre, mais sofrido. Aprendam isso: as pessoas mais cheias de boas intenções, quando têm o poder e o dinheiro na mão, esquecem-se delas. Ficam deslumbradas com o poder e passam a pensar só nelas mesmas. O poder e o dinheiro corrompem. Foi assim durante muitos séculos. Até que o povo perdeu as esperanças. Os reis, que haviam sido objetos da sua admiração, tornaram-se objetos do seu desprezo. Seu perfume se transformou em fedor. Não, os Reis jamais pensariam no bem do povo. Aí o povo pensou: “Não fomos nós que escolhemos o Rei? Se ele está no trono é só porque nós queremos! Ele não está no trono pela vontade dos deuses! Se fomos nós os que o colocamos no trono, temos o direito de tirá-lo de lá”. O povo então se enfureceu, saiu às ruas, pegou em armas, fez revoluções e tirou o Rei do trono. Esse direito do povo, de tirar os Tiranos do poder, pela força, até foi louvado pela mais humilde e a mais santa das mulheres, Maria, mãe de Jesus. Cantando o amor de Deus ela disse que ele “derrubou dos seus tronos os poderosos e exaltou os humildes.” ( Lucas 1:52). Mas esse direito de tirar os reis dos tronos transformou-se em crueldade. Na Revolução Francesa o rei e a rainha foram guilhotinados. Na Rússia os revolucionários fuzilaram toda a família real, inclusive as crianças. Voltou-se então ao estado original: não havia quem ditasse leis e as fizesse cumprir, para a paz do povo. Havia o perigo de que se estabelecesse a condição primitiva de “guerra de todos contra todos”. Há de haver quem faça as leis e garanta o seu cumprimento. Mas o povo havia aprendido uma lição: poder por toda a vida, como o que era dado aos reis, só produz tirania e corrupção. É muito perigoso dar poder absoluto a uma pessoa só. Por que o jogo de futebol é possível? Jogadores, bola – tudo bem. Mas não basta. Há de haver regras. E como se estabelecem regras? As pessoas interessadas se ajuntam e fazem um “contrato”. “Contrato” é um documento que estabelece as regras, com o acordo de todos. Esse contrato contém as regras do jogo que todos devem obedecer. Todas as relações entre os seres humanos são reguladas por contratos. O casamento é um contrato, a compra de uma casa é um contrato, a matricula de um aluno numa escola se faz por meio de um contrato. Quando um povo inteiro quer estabelecer as regras de sua convivência, esse contrato tem o nome de “Constituição”. O Brasil tem uma “Constituição”.
http://www.rubemalves.com.br/explicandopoliticaascriancasI.htm




 Estrelas em Greve 


 Um conto divertido para crianças de todas as idades ! Aceitei bem contente esta tarefa da Mammy do blog "Dedinhos Lambuzados " : uma história para os pequenos relacionada à Astronomia. Algumas adaptações e modificações serão necessárias, claro, mas acredito que esta possa ser uma história bem interessante para introduzir o tema de uma maneira simples, próxima e bem divertida... "Todas as noites as mulheres se punham diante da TV para ver as novelas. Os homens cochilavam no sofá e a criançada brincava com os computadores.Ninguém tinha tempo de olhar para o céu. Sem platéia, as estrelas decidiram entrar em greve por tempo indeterminado.A Lua, solidária com as amigas,aderiu ao protesto e também se escondeu. Foi um fuzuê no mundo inteiro. As galinhas que dormiam com a estrela-d'alva, perderam o sono e deixaram de botar ovos. As corujas pararam de piar. Os tatus não sairam mais das tocas. Os grilos silenciaram. Os anjos da guarda, que desciam à noitinha para ninar as crianças,perdiam-se no caminho. As damas da noite não abriam mais suas pétalas. No escuro, o vento não enxergava nada e não sabia para onde soprar. Os poetas caíram em desânimo e aprodução de poesia imediatamente cessou.Os agricultores ignorava se era ou não a época certa para semear. As marés, desorientadas, subiam e desciam à deriva. Então, os homens descobriram que aquilo tinha a ver com o sumiço das estrelas. Chamaram os melhores astrônomos, mas eles não soberam explicar o ocorrido.Convocaram as feiticeiras para resolver o assunto, elas fizeram lá suas mandingas, mas não adiantou nada. A coisa estava realmente preta. Até que, uma noite, um homem saiu de casa e se pos a contemplar o céu na escuridão. Lembrou que a mãe lhe ensinara a posição do Cruzeiro do Sul. Outro se juntou a ele e recordou as histórias de lua cheia, quando aparecia o lobisomem. Um velho ouviu a conversa dos dois e veio contar que, em criança,tinha visto o Cometa Halley. Apareceu uma mulher e comentou que só cortava os cabelos na Lua minguante. Outra mulher falou que, havia alguns anos,vira uma estrela cadente e fizera um pedido. O marido ouviu-a e disse que o pedido era ter o amor dele para sempre. Outro homem contou que lhe nascera uma verruga no dedo porque, quando garoto, apontara para as Três-Marias. Aos poucos as pessoas foram saindo de casa e cada uma tinha a sua história para contar sobre a Lua e sobre as estrelas. Quando estavam todos na rua lhando o céu vazio, as estrelas que os observavam do fundo da noite, apareceram de surpresa, acendendo-se ao mesmo tempo.Foi lindo:parecia uma chuva de gotas prateadas. Em seguida despontou a Lua, com seu brilho magnífico,como um holofote . Aí todos entenderam o motivo daquela greve.E , imediatamente, decidiram em concenso:podiam ver televisão, dormir no sofá e brincar com o computador todas as noites.Mas, de vez em quando,iriam dar uma espiadinha no céu para ver o show das estrelas." "...Assim me contaram... e assim eu contei... e é verdade ou não...eu também não sei !" Créditos :Conto de João A. Carrascoza ilustrado por Ivan Zigg e publicado na Revista Nova Escola em novembro de 1997 Bjs, Betty !